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A Arte de Construir Paisagem
“Nos Açores a paisagem é um gesto cultural porque é nas paisagens das nossas ilhas que melhor encontramos registado, como num precioso documento, o gesto histórico de adaptação do homem ao meio; e esse é um gesto cultural, porque resulta da capacidade do açoriano para entender a terra onde poisa os pés e a ela ajeitar o andar. Nas nossas ilhas, o andar dos homens deixa como pegadas casas e maroiços, fortes e abrigos, igrejas e curraletas, e nas pedras que ainda restam destas casas, maroiços, fortes, abrigos, igrejas e curraletas, podemos ler a história cultural daqueles que antes de nós por aqui andaram-e envergonhados constatamos como somos capazes de, hoje, deformar e até mesmo apagar as pegadas que os nossos pais deixaram na paisagem das ilhas, e de assim esquecer que temos filhos.”
Os olhos de Tomaz Borba Vieira, ou seja a porta aberta para a sua alma, vêem o lugar da Caloura com o sentimento descrito no texto de Luiz Fagundes Duarte (in Bruno et al.; 1999).
A paisagem da Caloura, constituída por uma plataforma junto ao mar, muito pedregosa, com terras de biscoito, envolvidas por altas e íngremes encostas parcialmente revestidas de vegetação, resulta de uma profunda entrega do homem à sua terra durante séculos, afastando as dificuldades e construindo as oportunidades.
Esta zona baixa, era ocupada, quase exclusivamente, por vinhas entre muros e curraletas.
No entanto, a Caloura mudou.
Os terrenos de vinhedos, rematados por labirínticos, muros de pedra basáltica, transformaram-se em jardins que rodeiam casas de férias, por vezes, palacianas, de arquitectura moderna, vulgar ou até mesmo inexistente.
As construções anexas onde se guardavam alfaias agrícolas, arrumam, agora, automóveis topo de gama.
Nos terrenos circundantes a estas casas deixaram de coabitar vinhas, hortas e pomares e passaram a suportar extensos relvados e plantas de natureza e aspecto exótico.
O silêncio dos vinhateiros foi substituído pelo som das máquinas de cortar ou aparar relva. O vinhateiro transformou-se em jardineiro.
Na casa do Tomaz é tudo diferente.
As teias de muros ainda protegem os vinhedos, os pomares e as hortas dos ventos marítimos. O vinhateiro lá continua. A casa mantém-se caiada e permanecem as persianas de madeira. E o anexo guarda o seu atelier de pintura.
É neste oásis paisagístico que surge o Centro Cultural da Caloura.
O sonho de criar um espaço cultural, fora das zonas urbanas, para mostrar a sua colecção particular de Arte, não podia desrespeitar a paisagem local. Pelo contrário, era um acto de construção de paisagem, acrescentando-lhe uma nova função: a actividade cultural.
O desígnio de casar a expressão rústica da paisagem da Caloura com o eruditismo da Cultura, esteve ali presente. Este desejo simbiótico foi, simultaneamente, objectivo e resultado.
A caloura ganhou, a paisagem não perdeu e a alma do Tomaz floresceu.
Esta atitude exemplar evidencia um inegável respeito pela paisagem local e por todos aqueles que a construiram e deixa-nos um legado para os que a vão continuar a construir.
Neste caso, a Arte ajudou a construir paisagem. Na casa do Tomaz, não podia ter sido de outro modo.
por: Rui Monteiro da Câmara Pereira